quinta-feira, 31 de julho de 2014

A ATMOSFERA DO ESTAR



Estar é um estado no qual se gera a compreensão de que há um espaço ocupado, uma condição de vida em desenvolvimento ou uma presença identificada em um determinado ambiente.
Contudo, estas compreensões não necessariamente podem se localizar exclusivamente por uma condição física ou material. Quando movemos nossas percepções para o mundo material, criamos uma identificação e rapidamente estabelecemos uma referência e analogia com algo semelhante, e que possa nos dar a ideia de conhecimento ou de reconhecimento.
Aquelas formas são variáveis, mas coexiste dentro de um mesmo plano de observação.


Porém, o estar, pode ser percebido como algo muito além do que a realidade material pode expressar ou representar a partir de descrições realizadas pelo homem.
“Estar”, antes de qualquer entendimento concreto, é uma atmosfera.
È algo que transcende ao físico e material, aloja-se em uma condição imaterial, portanto, não se prende a conceitos rígidos de identificações formatadas pelas observações desenvolvidas a olho nu pelas mentes individual e coletiva.
Quando emprestamos ao “estar” a condição de uma esfera por um pensar sob prismas mais ampliados, temos que olhar sem as medidas e fronteiras que são naturais para os processos físicos e materiais.
A sensação de descontinuidade e ao mesmo tempo de integralidade que esta atmosfera se presta conter, é sem dúvida alguma, uma condição até certo ponto assustadora, mas, igualmente excitante sob o ponto de vista do desconhecido, do inimaginável e da necessária desincompatibilização em relação ao tempo e a forma.


A mente comum e filiada a processos identificados com a natureza física e material, vê nesta possibilidade motivo de temor, pois, a esta, é seguro verter conceitos e teorias que se moldem as práticas já dominadas por sua mente.
Mas, ouso ausentar-me desta condição ao permitir-me invadir conceitos que transcendem esta condição segura. Invado campos conceptuais que tangenciam a utopia, contudo, podem fornecer-me insumos valiosíssimos que me permitam definitivamente, olhar ao mundo, não tão somente por diagramas, geometrias, números ou ilações que manifestam as já seguras e limitadas ideias assentadas por comprovações materiais.


Ao viajar nesta esfera na qual me lanço, mantenho contato, não com as formas ou as expressões sustentadas por valores numéricos ou conceituais. Assumo a ausência da forma e do conhecimento, e me concebo como o nada e o todo, coexistindo dentro e fora, apenas fluindo por energias tão mutáveis quanto a própria ideia do imperceptível, intangível e o inconcebível.
Abandono a clausura de minhas vãs memórias e projeto-me nesta aventura, onde a vida se confunde com a morte, sem que uma ou outra possa ser distinta ou expressar o fim ou o principio. Quero apenas transitar sem ser notado, ou ainda, vagar por entre as vidas como elemento elétrico, sensível ou até mesmo inerte ante os conceitos comuns ja abandonados neste ponto de minha viagem.
Agora que sou apenas um átomo desprendido de sua natureza física, voo para onde flua a energia que permeia a tudo, sem importar-me com o abandonado conceito de qualidade, sejam estes, positivos ou negativos. Estes extremos apenas denunciam a pobreza dos conceitos formulados ainda em estado físico, mas que no agora, descartados necessariamente o são, para que a interação possa ser alcançada neste estado de “estar”.


Fazendo-me “estar”, sou movido como uma onda que segue o fluxo da vida, sem que esta vida possa ser reconhecida. Neste ponto é necessário apenas transitar na eletricidade que o fluir contém.
Retrocedo ao passado para encontrar a atmosfera que por minutos pude absorver e ser absorvido. Com esta condição pude simplesmente presenciar aspectos da vida, conectados e desconectados da própria vida, se isto é possível, algo estar desconectado da vida. Mas aconteceu, e o trago para o agora, mas como? Se o agora é o sempre, não há divisão, compartimentos ou seguimentos, apenas existe o momento onde a consciência se localiza. Partindo deste principio, posso viver na atmosfera com a qual mais me identifico.
Esta é a razão pela qual as pessoas tem dificuldade em entender o que é o agora.
O Agora é o estado natural e instantâneo onde a consciência se localiza, onde as suas percepções estão despertas e para o que esta, desperta.
Desta forma, posso estar, transpor, retroagir, avançar, tudo ao mesmo instante, conduzido pelo foco onde localizo a minha consciência.
Ao adotar apenas a condição de um átomo, qualifico-me a mover este processo, inserir-me nele na totalidade do que eu sou, reconhecendo o absoluto, o intangível, a pluralidade contendo o singular e sendo contida neste mesmo singular.


Este é um ponto nevrálgico e que somente pode ser possível vivê-lo quando não estamos condicionados pela forma, medidas ou limites.
Avanço neste projeto e declino de qualquer identificação, relação e condição que seja menos do que o nada, tampouco, que seja mais do que o todo. Não mensurar é condição impar para habitar a esfera do “estar”, sem sequer visualizar o seu estado, apenas permitindo que as coexistências múltiplas dos aspectos da vida, possam interagir sem necessariamente ser percebidos.
Esta condição do “permitir” é o grande algoz da mente, da personalidade e do caráter que se filia a forma, medida e tempo, pois, a ideia de não ser, não conter e não finalizar é extremamente assustador, na medida em que não existe controle, eis aqui, o segundo grande algoz.
Quando o ser é integrante da vida como a percebemos, ele necessita de regras, condutas e referências para se sentir seguro como o agente no movimento da vida. Este comportamento e compreensão o tornam prisioneiro, na e em vida.
Condição esta indubitavelmente inexistente no “estar”. Neste estado não existem ações premeditadas ou repetitivas, há apenas o insólito e o contínuo recriar-se.
Permitir-se viver nesta condição de permanente estado cumulativo e de dissipação, requer extremo desapego e sensível sintonia com a vertente da vida, somente possível para poucas consciências.
Consciências estas que transpuseram os limites dos conceitos ligados a censos planetários, galácticos e cósmicos. A estes, apenas a vida como ela é, um perfeito estado de “estar” cuja maior virtude confunde-se com o completo abandono do “eu”, rejeitando nesta condição todas as filiações que sejam menores do que o ir e o vir, ou a própria inércia.


Não existem aqui, conceitos a serem formulados, assim como também não é possível o ser configurar-se na individualidade.
Quando alcançarmos este “estar”, seremos a vida na própria vida, vivendo a vida sem sequer perceber estar nela como parte dela, mas, fluindo, sem direções, condições, propósitos que possam ser gerados na primeira pessoa.
Nesta condição, não encontramos nas linguagens humanas verbos que possam traduzir ou intimamente identificar o que seja o “estar”, pois, este é um estado, uma atmosfera, um fluir que transcende o imaginário do mais prodigioso sonhador que a terra possa ter gerado em todos os tempos nela guardados.
Eu sou o infinito que é contido pelo finito, enquanto este não se descobrir plenamente imensurável. Quando o elo dos limites for rompido, eclodirá a vida em toda a sua plenitude, e ai, já não fará mais diferença, os vagos conceitos e as formas carentes e vinculadas a identificações pobres de valor e amor por si mesmos.
Eu estou onde vocês estarão, no nada e no todo, no inimaginável “estar”, a um instante de vocês.


Roberto Velasco.

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