Não sei de onde venho, mas também não sei para onde vou. E francamente, que me importa isto?
Saber... Prender-me a uma origem, a uma direção, a um propósito, ficar ligado a uma história que não me permita me perder, por quê? Para que?
Sim, desejo me perder de qualquer natureza, rumo premeditado, planejado ou arquitetado pelo universo, ou seja, lá por quem quer que seja.
Admito o caminho errante, aquele que me perco e me encontro, aquele que subo e desço, que me expando e me contraio, que paro e me movo, que chego ou que parto, sem tempo ou clima, sem medo ou coragem, apenas o caminho para o qual o vento me levar, ou não.
Admito querer experimentar a mesma sensação de uma folha caída de uma arvore, cujo sentido de seu paradeiro não lhe pertence, e não pertence a condição alguma.
Desejo mais ainda, desejo deixar-me levar ora pelos ventos, ora pelas águas, outras vezes, simplesmente parar e ser apenas parte imóvel do cenário, compor a vida, sem influenciar ou pertencer a vida.
Ser igualmente delicado, frágil e vívido o quanto são os sonhos de uma criança, que vê ao longe no horizonte o nada e o tudo em divina comunhão, sem estabelecer qualidades, cores ou sons que separem a vida da própria vida.
Quero ousar de vez em sempre, sem jamais me permitir olhar para trás e ver as partes de mim que lá ficaram, e ao mesmo tempo, saber que no agora sou mais inteiro do que pudera ter sido em qualquer outro momento.
Tomo o rumo da vida sem ter direção, sem desejar a própria vida, mas apenas permitindo que ela coexista em mim. Que me invada sem pedir licença para chegar ou partir, sem ser notada ou cobrada.
Vejo-me em sombras e tomado pelas luzes, vejo-me forte e fraco, vejo-me insensível e terno, mas, se não me vejo, falta não sinto em me ver.
Sei que a natureza que me constituiu já não mais existe em mim, por que já não sou mais quem fui, e nem sei o que poderei ser, se é que agora sou o que sou.
Vago como um nômade sem trilhas, sem perfis definidos que possam atribuir-me um conceito, sequer fisionomia há que possa me identificar. Minhas ações se perderam no pó que me lava o corpo, a alma e o caminho, sem deixar marcas ou registros que possam conduzir a mim mesmo.
O que sei não é o próprio saber, pois, logo a seguir, desconheço o que há pouco sabia, sem, contudo, ter desejado ou ambicionado possuir o saber.
Minha irreverência me denúncia como a um réu diante de corte suprema, mas, que em nada afeta o que sou, pois, já não sou mais o que fui. Alegro-me pelo que passarei a ser, mesmo sabendo que será transitório e que ao me aperceber, já sou o imprevisível se manifestando, sem contornos ou identidade, em verdade, me reconheço no desconhecido.
Sou como a chuva que cai sem escolher onde cair, que percorre a terra a umedecê-la. Trazendo a vida em cada molécula da qual é constituída, sem estabelecer juízo do que deve ser abastecido e renovado, mas, que mesmo assim, se entrega a esta tarefa em total comprometimento com a sua natureza, reconhecendo que a vida é sábia em seu existir e em seus processos.
O universo inteiro cabe dentro de mim, e eu não caibo dentro dele, talvez, esta seja a minha maior contradição com a vida. Por esta razão, sigo, sem medir meus passos, sem sequer reconhecer as pegadas que deixei para trás, porque elas não me pertenciam. Eu sabia que a cada passo que meus pés deixavam suas marcas na terra, já não eram mais meus. Assim como o próprio ar que sustenta a vida que há em mim, após cada respiração, ele deixou de ser meu, e haverá de sustentar outra vida que não mais a minha.
Tangencio os limites do possuir sem possuir, do ser sem ser, do viver sem viver, na certeza insondável de que a vida se constitui dela própria, sem definições, classificações ou destinos que a caracterizem. Ela pode ser o abstrato e o concreto, o som, o eco e o inaudível, a forma sem forma, a névoa e a nitidez, a luz e o breu, o sorriso e a lágrima, a cor e a lividez.
Ou nada disto!
Quem já viveu acreditando ter sido refém ou algoz da vida, em verdade não viveu, apenas transitou sem vida pela própria vida.
Pois a vida, é sem ser, sem querer ser, apenas sendo o que nunca deixou de ser e o que jamais será. Poucos podem entender a vida como ela é, porque poucos são os desapegados da vida. Muitos acreditam possuir ou serem possuídos pela vida, mas, para viver a vida, não precisamos olhar para ela, não há porque saber que ela existe.
Para viver a vida apenas abandone-se, da e na vida, e, em e de si mesmo, e somente neste instante, você estará na vida sem ao mesmo tempo estar.
Esta é a nossa maior lição, viver sem desejar viver, viver por ser a própria vida, sem ao mesmo tempo sê-lo.
Ter em mente que a vida é um intrigante e constante pleonasmo e simultaneamente uma perfeita antítese, que é o somatório enumerável dos iguais e uma explicita harmoniosa, e constante contradição dos opostos, que nos suaviza e traz a leveza da vida para a vida.
Eu sempre fui sem jamais ter sido a própria vida, e por esta razão, estou aqui sem nunca ter estado aqui, apenas fluo em mim, no nada, no tudo e pela própria vida, como a vida que há dentro e fora de mim.
Roberto Velasco.
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