Diga ao vento que me vou, sem barreiras
nem fronteiras, sem densidades e sem virtudes.
Vou lançado ao vento como a folha que
se desprende dos ramos das árvores, e cai suavemente sobre o solo, aceitando
seu destino, e eu, ao meu me entrego.
Mergulho em meus pensamentos e
descubro que neles me perco e me encontro, me elevo e me subtraio, me liberto e
me condiciono. Fiz de minhas emoções o combustível que me impulsionou a
descobrir mais de mim, menos do outro, mais da vida, menos da morte.
Tempos perdidos nas horas que se
passaram, em estações que o ritmo da vida deixou para trás. Nestes tempos,
deixei que o egoísmo fosse meu cabresto, meu senhor e guia.
Sinuosas e acidentadas foram as minhas
experiências, revelei-me um incauto, raras vezes um sábio, em outras ainda,
fiz-me aluno daquele tipo que simplesmente contempla a lição que lhe é
oferecida pela vida, mas, que dela nada extrai.
Ousadia é meu nome, e por fidelidade a
ela, jamais aceitei o que me era exposto, imposto ou simplesmente oferecido
pelo caminho.
Caminhos estes, que se fizeram sem
margens ou contornos delineados. Visitei a muitas rotas, me identifiquei com
algumas, outras apenas admirei, mas, houve aquelas, que rejeitei pelo cinza que
as tomavam.
Levantei-me tantas vezes quantas cai,
e nestas quedas, a cada vez que me levantava ganhava centímetros que me
deixavam sem que o soubesse, mais perto do céu. Aprendi que a vida é uma
diversidade de cores e aromas, de estados e frequências, de presenças e de
ausências.
Em certo momento rompi com o passado,
deixei amores e pessoas onde deviam permanecer, no passado. Deixei alegrias e
tristezas onde floresceram, perdi o contato com o que já fui porque entendi que
não o poderei ser mais. Apenas ganhei pesos que se alojaram e enriqueceram
minhas lembranças, mas estas, apenas lembranças se fizeram.
Cada passo em minha estrada, marcou a
trajetória que me traz aqui e que me levará além do imaginável. Nego-me a crer
que meu amanhã será a consequência de meu ontem, pois ele, o ontem não vive
mais em mim, o libertei para que morresse em paz.
E esta liberdade a dedico a tudo com o
que estive ligado, mas não preso, porque
jamais me conceituei um prisioneiro. Carrego em minhas veias o sangue dos
livres, daqueles que mesmo diante da morte a percebem como um novo estágio
desta liberdade.
Certas vezes permiti que meus olhos
percebessem imagens que os deprimia, pelas tristezas das quais os homens e eu
produzimos, muitas vezes tomados por ignorância, outras vezes, por
imbecilidade.
Delas, tenho apenas as marcas que a meu
corpo se somaram, pois, todas não passam apenas de marcas que o pó haverá de
apagar.
Quando amei, amei inteiro, nunca pela
metade, mas, quando fui amado, nem sempre o fui amado de maneira inteira,
porque somente pode amar com plenitude, quem é inteiro e livre.
Os amores que me completavam, a estes,
me entreguei sem censuras ou limites, sem pudores ou juízo. A estes, dediquei
meu melhor, fui romântico como o é a lua, fui suave como o é o veludo, fui
insaciável como o é um leão.
Mas, em minhas partidas nunca olhei
para trás, mas, sempre deixei um jardim florido no coração de quem eu amei.
Meus odios, igualmente eram inteiros,
os dediquei sem qualquer constrangimento e os exteriorizava com intensa
brutalidade, em razão destes, poucos tiveram a sorte de se fazerem
prisioneiros, os demais em sua imensa maioria, foram apenas vítimas acolhidas
pela terra.
Se, o sangue de inocentes, derramei,
peço perdão a vida, mas o que esta feito junta-se ao passado que fui.
Hoje, semeio rosas por onde eu passo, neste
ponto da vida, me permito sentar a beira da estrada e aguardar o tempo que for
necessário para que a frágil tartaruga libere o meu caminho, para que somente
após, eu siga adiante.
Vejo a vida de uma maneira mais
simples e menos pesarosa, do que aquela que meus dias já contaram. Carrego
junto ao meu corpo apenas aquilo que minhas forças podem carregar, não busco
alienar pesos que me retardem o caminho. Ando sem pressa, como a lenta
tartaruga, hoje, pacientemente aguardo que a vida conclua os cenários por onde
devo passar, sem apressá-la, sem queimar etapas, apenas me curvo ao fluxo
natural da criação.
Olho minhas mãos em um misto de
estupefação pelo que já fizeram e ansiedade pelo que hão de fazer.
Olho a meus pés, machucados pelo
intenso caminhar, sem que raízes neles possam brotar em razão de meu espirito
andarilho.
E meus olhos, lacrimosos no passado,
vividos no agora, como o são os olhos de uma criança ao esperar o presente que
a vida esta por lhe oferecer.
A cada passo em meu caminho,
fortalece-se o som de meu coração que aprendeu com as dores da vida, que
somente o amor pode conceder ao homem o dom da própria vida em vida.
Vejo em meu horizonte iluminado pelo
sol, o distante caminho que me resta vencer, mas, agora que sou levado pelo
vento e me faço cumplice de suas brisas
e ventanias, integro-me a presença de Deus, para que dela nunca mais me
ausente.
Mesmo que os espinhos semeados no passado ainda possam repercutir em
meu voo, pois, hoje reconheço que desejo ser levado apenas pelo vento, pelo
coração e pelas mãos de Deus.
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